domingo, 17 de maio de 2009

Artur Schnabel - Beethoven - as 32 sonatas para piano - grav. EMI london, 1932-1935

Dentre todos os pianistas, o filósofo Artur Schnabel foi o que se manteve contrário à máquina de gravar por mais tempo. Seria antimusical, dizia ele, tocar sem uma audiência, e também contrário à efemeridade essencial da arte fixar para sempre uma interpretação, pois o fazer musical muda de acordo com o estado de espírito do artista, a meteorologia ou as notícias do jornal da manhã.
Schnabel finalmente concordou - após a quebra de Wall Street - em gravar as 32 sonatas de Beethoven, numa edição que ele havia preparado e executado integralmente em Berlim. Sua condição era de que os discos fossem vendidos exclusivamemte por assinatura, de modo que ele soubesse os nomes de todos os ouvintes, e tivesse uma percepção da audiência ao alcance de um telefonema. Isso agradou à gravadora, que recebeu adiantado e não precisou investir um centavo.
"As lembranças do meu primeiro ano de gravação em Londres estão entre as mais dolorosas da minha vida", recorda-se Schabel. "Eu sofria de angústia e caia em desespero a cada sessão. Eu ficava mortalmente atormentado e profundamente infeliz. Tudo era artificial - a luz, o ar, o som - e levei muito tempo para conseguri que ajustassem o equipamento à música e mais ainda para eu me ajustar ao equipamento".
"Seduzido por uma polpuda garantia, ele acabou concordando em conciliar seus ideais com a máquina, observou o produtor Fred Gaisberg. "Eu supervisionei cada uma das nossas vinte sessões por ano, durante os anos seguintes e considero a experiência de ouvir suas execuções e leituras de improviso como uma combinação do mais generoso aprendizado com o divertimento". Havia um diálogo permanente nessas gravações - entre o pianista e o compositor e, em todas as pausas possíveis, entre ele e a equipe, abordando todos os assuntos, desde a teologia até os escândalos sexuais. No que concerne à execução - suave nas sonatas intermediárias, titânica naquelas do período final - o ciclo é impulsionado por uma boa conversação, um fluxo narrativo que o mantém eternamente novo. O andamento por ele escolhido para aquela que foi de fato a primeira sonata (opus 2 nº1) soa simplesmente incontestável - rápido, afirmativo, mas não a ponto de exibir a virtuosidade adolescente de Beethoven. Na abertura da sonata Ao Luar, que qualquer criança com algum estudo pode tocar, Schnabel evita a portentosidade artificial; ao contrário, joga com as sombras, tal como Rembrandt, criando um clima noturno que nemhum outro artista conseguiu igualar. Ele trata cada sonata com respeito individual, moldando seu caráter com sutilezas que nada têm a ver com o título publicado. A Appasionata, por exemplo, é exuberante e algo frívola, estando mais para um romance passageiro do que para uma paixão de vida ou morte.
Com mãos pequenas, em contraste com sua mente gigantesca, Schnabel luta para alcançar os altos e baixos da paisagem montanhosa da Hammerklavier, num andamento suicida. Descuidado com seu cálculo das intenções de Beethoven, ele espalha notas erradas como confete - e ao fazer isso, reflete o inatingível, a alma distante, a luz trêmula da utopia que é o ideal eterno do compositor. Do começo ao fim, é um mapa da mente de Beethoven, do amor, da vida e do nosso lugar na Terra, tendo Schnabel como guia.

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