O pianista canadense fez sua primeira gravação para um grande selo num estúdio pequeno como um aquário, com todas as suas exentricidades registradas pela imprensa: "Gould rejeita os sanduiches trazidos pelo pessoal do estúdio, e come apenas seus biscoitos de araruta encharcados em sua água mineral especial ou leite desnatado", relatou o Herald Tribune. Poucas lendas foram tão minuciosamente observadas em ação.
Gould era o sonho de qualquer escritor de variedades. Em dias de sol forte ele aparecia usando casaco, boina, cachecol e luvas, carregando sua própria banqueta de piano. Mergulhava os braços em água quente antes de tocar e tomava inúmeros comprimidos para enxaqueca, eczema ou depressão. Murmurava enquanto tocava, como um baixo inarticulado, e insistia, quantas vezes fosse nescessário - dezoito tomadas para a 12ª variação - antes de dar seu aval. "Deixem-no cantar", dizia o produtor Howard Scott "Ele tocava como um deus."
O disco foi lançado com uma capa onde se vêem 30 imagens dele em ação - uma para cada variação. "Nós não chegamos a um consenso sobre qual era a melhor, disse Scott, então usamos todas." A execução foi sem igual. Ela trouxe um delirante frescor para uma obra austera, descobrindo frases contagiantes numa música que nunca tinha feito ninguém sorrir. Despreocupado com uma nota errada ocasional, Gould estava em busca do estado de espírito. "Essa é uma música que repousa nas asas de um vento irrefreável", disse ele. O som de Gould é duro, quebradiço, mas desde as primeiras frases o pianista fez pelas variações o que Casals fez pelas suítes para violoncelo, desviando-as do propósito original de Bach - fazer dormir um conde que sofria de insônia - na direção de um reino de elevada espiritualidade. O toque de Gould atrai a atenção, evocando um mundo paralelo sobrenatural para o qual só ele possui a senha. Do início ao fim, a execução é surpreendente, por vezes desordenada (2ªvariação) outras tão lenta e quieta (26ª) que nos perguntamos se sua mente não se retirou para outro lugar. Nunca, em qualquer gravação anterior, o piano, ou qualquer peça musical, foram tratados dessa forma. Gould entra em cena como um anjo arrebatador, um cometa de outra constelação.
Nove anos mais tarde, ele abandonou os palcos, para passar o resto da vida trabalhando em estúdios de gravação, geralmente à noite, abordando um eclético repertório que incluia Schoenberg, Strauss e vários canadenses de pouco mérito. As variações foram o ápice de sua carreira. Em 1981 ele fez uma nova gravação, mais perfeita, porém menos reveladora. Um ano depois, aos cinquenta anos, ele morreu.
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http://www.badongo.com/pt/file/10053430
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