domingo, 17 de maio de 2009

Mozart: As Bodas de Fígaro - Orquestra Filarmônica de Viena, Erich Kleiber - Decca- Viena Redoutensaal, Junho de 1955

Um elenco dos sonhos. Viena, na década que se seguiu à Segunda Guerra Mundial, reuniu um incomparável conjunto de intérpretes de Mozart, com Hilde Gueden (condessa) Lisa della Casa (Susanna) e Alfred Poell (conde) na relação de artistas estáveis da Ópera Estatal, que fora arrasada pelos bombardeios e estava sendo reconstruída, tijolo por tijolo com a ajuda financeira do público. Para o bicentenário do nascimento de Mozart, a companhia britânica Decca (que mantinha um contrato exclusivo com a Orquestra Filarmônica de Viena) decidiu gravar as três óperas com libreto de Da Ponte, com austríacos autênticos - Don Giovanni com Josef Krips, Cosí fan Tutte com Karl Böhm, e Fígaro nas mãos mais experientes de um homem que tinha fugido da Europa de Hitler para a América do Sul e agora estava de volta como o mais requisitado regente convidado do continente.
Erich Kleiber, quando era ainda um menino, ouvira Mahler reger Mozart em Viena. Ele acabou se tornando diretor da Ópera Estatal de Berlim em tempos modernos e fez a estréia mundial de Wozzeck, de Alban Berg, após mais de 120 ensaios. Depois da guerra, ele ajudou a elevar o nível de interpretação do Covent Garden e restringiu-se, após a meia idade, a reger as peças que considerava realmente importantes. Antes de abordar o Fígaro, ele passou meses em Viena procurando partituras e textos antigos. Foi por insistência dele que todos os recitativos foram gravados pela primeira vez. busca por melhores ganhos. Kleiber, contudo, impôs sua autoridade logo no início da Abertura com um andamento que parece tão orgânicamente correto que os músicos e os cantores ficaram hipnotizados por sua batuta por mais de duas semanas de gravações. Mesmo com todas as consultas de Kleiber aos originais de Mozart, o drama transcorre em ritmo convincentemente contemporâneo.
A parte cantada é inquestionavelmente bela. Dois italianos, Cesare Siepi e Fernando Corena, foram trazidos para cantar Fígaro e Bartolo, ao passo que uma belga, Suzanne Danco fazia o Cherubino. Mas a atmosfera é indubitavelmente vienense, e a brincadeira origina-se no próprio Mozart. Uma ária após a outra - "Porgi amor", "Voi che sapette", "Venite" rolam de Della Casa, Danco e Gueden como se fossem um colar de pérolas, e não se detecta uma só falha quando são examinadas ao microscópio da gravação. O resultado só poderia ser esse, como sentiu o produtor Peter Andry: melhor, impossível.
O lançamento foi marcado para Novembro de 1955, para coincidir com a reabertura da Ópera de Viena. Antes disso, Böhm renunciou como diretor e Karajan esperava nos bastidores para assumir. Kleiber foi convidado a participar da reinauguração com o Réquiem de Verdi, mas em meio à intriga vienense, foi deixado com solistas de qualidade inferior. Magoado e deprimido, abandonou a regência. Em 27 de Janeiro de 1956, exatos 200 anos depois do nascimento de Mozart, ele foi encontrado morto na banheira de um hotel na Suiça.

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