Só existiu uma Lotte Lenya, e sem ela, não poderia ter existido um Kurt Weill. Além de enlouquecer o pequeno e calvo compositor, com suas vaidades e infidelidades, Lenya foi a voz que levou Weill ao limite das possibilidades aurais, ao ponto em que o canto não se distingue mais da fala - um terreno que Schoenberg explorou, porém com menos sucesso, em seu Sprechgesang ("canto falado").
A voz de Lenya estava mais para um ruído urbano, o som do trânsito ouvido do vigésimo-quarto de um arranha-céu. Weill era um técnico de cidade pequena, perturbado pelas luzes da metrópole. Eles quase chegaram ao divórcio, em Berlim, enquanto ele compunha "A Ascensão e Queda da Cidade de Mahagonny", com a qual Lenya resumiu o abrasivo nervosismo da Alemanha pré-Hitler. Reunidos no exílio, eles encontraram uma nova linguagem, pois Weill estava compondo para a Broadway e Lenya diminiu seu ímpeto de "devoradora de homens". Embora seu canto nunca tenha sido belo, seus ritmos eram impecáveis, e seus papéis, inigualáveis. Como a pirata Jenny, ela pertencia a todos os homens. Na pele de Surabaya Jonny, ela caçoava e escarnecia. Como a faca de Macky, ela retalhava. Há mais sexo em uma só de suas fusas do que em todos os trabalhos de Madonna juntos. Muitas, inclusive Madonna, tentaram imitar sua atitude - Mary Martin, Ute Lemper, Teresa Stratas, Julia Migenes, Anne Sofie von Otter - mas Lenya é inimitavelmente ousada, e com uma arte que é só dela. Nos palcos da Broadway ela é provocante sem nenhum arrependimento. Weill pode ter atingido o coração da América em "Knickerbocker Holiday", mas a ruiva Lenya não era a esposa recatada de ninguém, e quando canta "It Never Was You", qualquer homem sabe que não poderia prendê-la. Quando Weill morreu, em 1950, ela realizou um supremo ato de amor ao gravar essas canções, resgatando a obra do marido do esquecimento que já se afigurava.
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