Em 16 de Janeiro de 1938, Bruno Walter regeu a Filarmônica de Viena na nona sinfonia de Gustav Mahler, obra que eles haviam estreado juntos 25 anos antes, alguns meses depois da morte do compositor. Arnold Rosé, cunhado de Mahler, ainda era o spalla da orquestra, mas a música de Mahler havia sido banida da Alemanha por racismo e era rejeitada por seu emocionalismo nos contidos países de língua inglesa. Com Adolf Hitler batendo aos portões, a platéia nervosa sabia que poderia estar ouvindo esta música pela última vez em sua vida. Nas primeiras fileiras estava a viúva de Mahler, Alma, e o chanceler austríaco Kurt Schuschnigg, que semanas mais tarde, entregaria o seu país ao Terceiro Reich. Muitos naquela sala (seis na orquestra) morreriam em campos de de concentração. Como um pressentimento trágico, esse disco tem poucos paralelos na civilização ocidental, desde as inscrições na parede no banquete bíblico de Baltazar.*
Como execução musical, a gravação é ainda mais presciente. O início é ameaçadoramente solene, mas sem medo, imponente e tranquilo. À medida que o andamento se acelera, a música começa a se afirmar como um corajoso desafio, um fantasioso desligamento que ignora os esmagadores coturnos dos eventos políticos. As ironias do segundo movimento são destacadas causticamente, e , no rondó burlesco, a orquestra fica à beira da temeridade. O tenso finale evita a tentação do consolo, optando por enfrentar sem concessões um futuro inevitavelmente sombrio. O solo de despedida de Rosé é profundamente tocante, mas com uma linha firme e calma. Semanas mais tarde, ele foi agredido por capangas uniformizados e forçado a fugir para Londres, onde morreu na miséria ao final da guerra, sabendo que sua filha violinista, Alma, havia sido assassinada em Auschwitz. Fred Gaisberg tirou de circulação esta primeira gravação da última sinfonia de Mahler, ciente de que seu pequeno potencial de mercado estava diminuindo ainda mais. Quando acabou de fazer uma primeira edição rudimentar do material, Walter já era um refugiado sem teto na Holanda e tentava conseguir um visto para a Inglaterra ou Estados Unidos. O regente criticou alguma aspereza nas cordas, mas decidiu que a gravação deveria ser lançada de qualquer maneira. Ela apareceu pouco antes da guerra, e algumas cópias chegaram à Europa ocupada pelos nazistas. Em Praga, jovens compositores se reuniram no apartamento de Viktor Ulmann para extrair resistência desta música proibida. Ulmann, que dedicara sua única sonata para piano à memória de Mahler, foi deportado, junto com a maioria de seus colegas, para Theresienstadt e acabou morrendo na câmara de gás de Auschwitz.
* Daniel 5-6.
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