quinta-feira, 23 de julho de 2009

Brahms: Sinfonia nº 1 - Orquestra Filarmônica de Berlim - Claudio Abbado - DG - Berlim

Fazia menos de um ano que o Muro de Berlim caíra e a cidade já estava novamente dividida entre ricos e pobres, triunfo e incerteza. A sala octogonal da Filarmônica, pintada de ocre, construída como um símbolo da rivalidade da Guerra Fria em um terreno desolado nos limites do Mundo Livre, estava agora em uma valorizada área de desenvolvimento, vibrando ao ritmo dos bate-estacas de empresas multinacionais.
Herbert von karajan estava morto, e sua orquestra havia escolhido como regente Claudio Abbado, um italiano reticente, socialista, modernista e elegante. Ele tinha apenas um concerto para ganhar a simpatia dos adoradores de Karajan, e seria este. Abbado escolheu a Primeira Sinfonia de Johannes Brahms, uma obra inserida na consciência germânica como um ato de continuidade cultural - tanto que muitos se referem a ela como a Décima de Beethoven. A sala estava cheia de pessoas idosas, com cabelos prateados e cicatrizes de duelos, e muitos apegados aos preconceitos do passado. Abbado fez com que a platéia se sentisse radiante logo aos primeiros compassos, uma monumental afirmação de absoluta segurança e um som imaculado. Somente algumas poucas frases das madeiras deram alguma sugestão de intenções subversivas. Os movimentos intermediários foram suntuosamente organizados, e o adágio que introduz o finale nunca soara tão brilhante, mesmo sob o olhar a laser de Karajan. Mas, quando a sinfonia chega à apoteose sonora, que o velho maestro costumava abordar com muitas mudanças de marcha e sinais de redenção, Abbado segurou a orquestra, abafando a dinâmica e permitindo que a melodia despontasse imperceptivelmente da textura precedente. Quando ela surge, o mundo é iluminado por uma luz diferente, mais quente e menos agressiva. Foi um momento de eureca, um novo alvorecer. Na manhã seguinte, com este autor e outras pessoas como testemunhas, Abbado assinou um contrato de longa duração com o antigo selo de Karajan e iniciou o processo de transformação da orquestra. Quando ele saiu, uma década depois, poucos músicos de Karajan ainda faziam parte do grupo, e o ethos das execuções evoluíra do antiquadamente soberbo para o elegentemente imponente. A orquestra permaneceu, no entanto, como uma instituição de elite, recusando-se a dar emprego a músicos da ex-Alemanha Oriental ou da parte leste de sua própria Berlim. Apesar de fabulosa, a Sinfonia nº 1 de Brahms foi um falso alvorecer.

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