Sob a fúria de Stalin, impedido de começar outra sinfonia e vítima constante de calúnias, Dmitri Shostakovich se voltou para as enganosas simplicidades de Johann Sebastian Bach. Enviado a Leipzig como jurado de um concurso de piano em homenagem ao bicentenário do compositor, em julho de 1950, ele votou (como lhe fora determinado) na candidata soviética. Com 26 anos, Nikolayeva parecia uma tratorista de fazenda, mas deixou os jurados estupefatos ao se propor a tocar todos os 48 prelúdios e fugas de Bach. O júri escolheu o Prelúdio e fuga em Fá Sustenido menor e deu a ela o primeiro prêmio.
De volta a Moscou, Shostakovich telefonou para Nikolayeva para dizer o quanto apreciara a apresentação dela, e que estava compondo seus próprios prelúdios e fugas. "A seu pedido, eu lhe telefonava todos os dias, e ele pediu-me que fosse à sua casa para ouvi-lo tocar as peças que acabara de compor", relatou ela. Em maio de 1951, ele tocou o ciclo, buscando a aprovação da toda-poderosa União dos Compositores, dirigida por Tikhon khrennikov, com Nikolayeva virando as páginas. O dia estava sufocantemente quente, e Shostakovich, nervoso. Seu recital foi recebido com uma enxurrada de críticas pseudopolíticas, vindas de um batalhão de medíocres invejosos e bajuladores covardes. Por grande maioria de votos, a União recusou-se a permitir que Shostakovich tocasse a obra em público. No verão seguinte, Nikolayeva conseguiu permissão para tocar a obra para um outro comitê, numa ocasião em que Shostakovich estava fora da cidade. Alguns dos compositores que o atacaram na primeira audição agora aplaudiram entusiasticamente. Nikolayeva conseguiu agendar a estréia em Leningrado para Dezembro de 1952; Shostakovich escreveu uma dedicatória privada para ela (omitida na edição publicada). Ele jamais executou o ciclo completo em público, mas uma semana antes de sua morte ela telefonou para Nikolayeva e pediu-lhe que tocasse alguns dos prelúdios no concerto comemorativo de seu próximo aniversário.
Ela foi a primeira a gravar o ciclo fora da Rússia , dialogando com a música dentro de uma igreja vazia em Londres, numa interpretação que juntou as lutas distintas de Bach e Shostakovich para dominar e editar a forma musical. O ciclo abre-se com onze segundos de silêncio cavernoso, antes que um tema hesitante apareça das trevas, dando uma sugestão de tonalidade em Dó maior e mantendo um nível dinâmico que nunca vai além do mezzo-forte. À medida que o tema dá lugar aos que o sucedem em saltos de quinta ascendente, o ouvido é beliscado por discordâncias inesperadas, notas de desespero que estão enterradas nas fendas de uma concepção elevada. Trata-se de uma obra-prima sob todos os aspectos.
Nikolayeva teve permissão do compositor para fazer alterações, e costumava adicionar ou omitir uma repetição (na Quarta Fuga, por exemplo) em nome da elegância estrutural. Fisicamente maciça e desprovida de vários dentes frontais, ela sentava-se ao piano como uma testemunha num julgamento por crimes de guerra, invencível e inesquecível. A gravação recebeu prêmios internacionais e gerou convites para turnês. Em 13 de Novembro de 1993, no intervalo de um recital público dos prelúdios e fugas em São Francisco, Nikolayeva teve um colapso no camarim e morreu, tendo completado seu testemunho.
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