segunda-feira, 27 de julho de 2009

Verdi: La Traviata - Angela Gheorgiu - Franck Lopardo - Leo Nucci - Orquestra e Coro da Royal Opera House - Sir Georg Solti - Decca - Londres

Sir Georg Solti estava fazendo um retorno sentimental ao Covent Garden, por ele comandado nos anos 60, com uma ópera que, por alguma razão, ele nunca havia regido e estava tendo que estudar a partir do zero. O diretor era Richard Eyre, diretor do Teatro Nacional Britânico, um homem que detestava o artifício da ópera e nunca havia dirigido uma. Eyre assustou-se quando descobriu, ao entrar no teatro de ópera, que um cantor ganhava dez vezes mais que a mais bem paga atriz shakeaspeariana. Havia um quê de azedume puritano na abordagem de Eyre, o que lançava um mau pressentimento sobre essa produção.
O acaso interveio. Uma soprano desconhecida, filha de um ferroviário da Romênia, caiu nas graças do diretor de elenco do Covent Garden poucas semanas depois de deixar o conservatório de Bucarest. De olhos grandes, bela e com uma ferocidade que lembrava Callas, Angela Gheorgiu preenchia todos os requisitos de potência vocal e dramática e estava sendo cortejada de todas as maneiras para aceitar papéis ao lado de Plácido Domingo, entre outros. Solti e Eyre concordaram que ela seria a Violeta ideal. Nos bastidores, a vida dela tomou um rumo diferente. Um cantor franco-siciliano, Roberto Alagna, veio de avião, após o funeral da esposa, para cantar o Romeo de Gounod. Faíscas se espalharam nos bastidores. Logo em seguida, ele e Gheorgiu se casaram. "O público tem sorte de nos ter", proclamou Alagna. Jonathan Miller, diretor de palco britânico, chamou o casal de "Bonnie & Clide da ópera". Eles foram despedidos do Met, tal como Callas. Tudo isso, entretanto, ainda estava por acontecer.
Solti, sentindo que tinha nas mãos uma estréia extraordinária, convenceu a BBC a transmitir pela TV a noite de abertura. Andrew Porter, um crítico veterano, escreveu: "Eu encontrei uma dessas performances em que somente o presente parece importar: é quando as memórias se desvanecem e qualquer conhecimento prévio ou comparação são colocados de lado". A Decca convocou imediatamente sua equipe de gravação.
Rúsitica, como algumas gravações ao vivo costumam ser, neste o domínio de Solti é maravilhosamente compassivo e os papéis secundários são extremamente bem cantados. É Angela Gheorgiu, no entanto, quem captura nossos ouvidos com um magnetismo que não se ouvia há uma geração de divas. Sua entrada sotto voce "E strano" combina pathos e pavor com confiança sexual em alta voltagem. Tal como acontece com Callas em Tosca, você sente que nada está fora do alcance dessa mulher, inclusive o assassinato. Brilhante e impecável na voz e na articulação, Gheorgiu lança as lembranças de Sutherland e de Pavarotti (também pela Decca) na escuridão. Ela se apossou do papel de Violeta com perturbadora convicção, e não é preciso ouvir a erupção da platéia para confirmar a visão de um cometa ascendente.

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