O contraste entre os dois tenores reinantes no final do séc. XX era pronunciado. Domingo era um profissional poliglota com uma centena de papéis em seu crédito, o primeiro cantor dos tempos modernos a abraçar heróis de Wagner e também os dramas franceses e russos. Luciano Pavartotti era uma casa de máquinas pouco sofisticada que cantou em sua própria língua em trinta óperas e vendeu mais discos que Caruso.
Otelo foi o papel definidor para Domingo, um ponto alto da ópera italiana que ele escalou acima do seu arqui-rival Pavarotti, que evitou o papel até ser tarde demais. Domingo se apossou do personagem ainda jovem, no início dos anos 70: um espanhol apaixonado representando o mouro sem ter que pintar o rosto, e cantando com suavidade e veneno. Seu dueto "Si, pel ciel marmoreo giuro", com Iago, é certamente um irresistível sucesso. Domingo gravou Otelo em quatro ocasiões. Duas dela sôb a regência de James Levine, em 76 e 96. Na primeira, ele era muito inexperiente, na segunda, excessivamente inteligente. O meio-termo seria a filmegem da ópera com direção de Franco Zeffirelli, a ser realizada em locações na Apúlia (Itália), quando um forte terremoto atingiu a Cidade do México, onde boa parte de sua família vivia. Amigos e parentes ficaram feridos e desabrigados. Domingo cancelou um ano de compromissos para arrecadar ajuda. Eu o ví no set de filmagem - um castelo em ruínas em Barletta, sul da Itália. Preocupado e distraído, sua raiva incontrolável foi canalizada quando as câmeras se voltaram para ele, na fúria do herói conquistador, cujo amor pela esposa é transtornado pelo vírus do ciúme. O resto do elenco ficou comprometido. Katia Ricciarelli era uma celebridade nacional, casada com o mais famoso apresentador de programas de entrevistas da TV italiana. Justino Diaz era um velho amigo de Domingo. Nenhum dos dois teve capacidade para trazer Desdêmona e Iago à vida, como o tiveram, por exemplo, Rysanek e Gobbi, que gravaram Otelo para a EMI, sob a regência de Serafin.
Mas Domingo foi um irresistível Otelo. Ao anoitecer, comtemplando o transparente Adriático do alto da fortaleza, ou no calabouço, com o furtivo Iago, sua presença inspira respeito; é um homem transformado, transcendendo suas preocupações pessoais. Seu grito na segunda cena, "Abasso le spade!" fervilha de desespero heróico. Fora do set, ele ficava o tempo todo em contato telefônico com o México. A gravação de áudio foi uma sequëncia de problemas. Carlos Kleiber se afastou por discordar da escalação do elenco. Seu substituto, Maazel, tentou persuadir Zeffirelli a lhe permitir a inclusão de trechos de música incidental moura que ele, só por boa vontade, havia composto. O diretor disse a Ricciarelli que ele estava gorda demais. A EMI, na última hora, escalou o engenheiro de som para fazer uma série de gravações de clássicos do Rock em Londres. Apesar de todos os percalços, a gravação ficou perfeita. "A cena da ameia do castelo com Domingo e Ricciarelli foi absolutamente bela, e eu nunca ouvi um coro de ópera como o do Scala", disse o eng. de som Tony Faulkner.
Domingo escreveu uma nota para a capa do disco, expressando a opinião de que Otelo "é para cantores adultos". O tiro foi dirigido diretamente para o diafragma brincalhão de Pavarotti.
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