terça-feira, 26 de maio de 2009

Bizet: Sinfonia em Dó Maior, Suite L'Arlésienne - Orquestra da Rádio Nacional da França, Royal Philarmonic Orchestra - Thomas Beecham - EMI Paris

Sir Thomas Beecham desprezava todos os compositores ingleses, exceto Delius, e regeu obras francesas com a finesse de um chef de cuisine com várias estrelas no guia Michelin. Ao passo que outros regentes anglófonos não encontravam nada mais que mesmice e sopros deficientes nas orquestras parisienses, para Beecham elas reluziam como a Torre Eiffel na noite de natal. Herdeiro da patente de um remédio (as pílulas Beecham) ele dissipou sua fortuna para levar música aos seus ingratos compatriotas e passou seus quatro últimos anos como exilado fiscal na França, queixando-se de que o socialismo havia tornado a Inglaterra um lugar "impossível de viver e onde ninguém pode se dar ao luxo de morrer". Os franceses dançavam ao seu ritmo com entusiasmo e ousadia, e Beecham trouxe à luz alguns dos mais frívolos tesouros deles. A Sinfonia em Dó Maior de Bizet, escrita aos 17 anos, foi encontrada somente em 1935, num arquivo do Conservatório de Paris. O já idoso Felix Weingartner dirigiu a estréia mundial, e Walter Legge ofereceu a Beecham a oportunidade de gravá-la, mas ele não se interessou, e o trabalho ficou para o regente auxiliar, walter Goehr. Foram necessários nada menos que vinte anos para Beecham descobrir as delícias desta melodiosa partitura, que estava à frente de sua época, e ele passou a amá-la a ponto de gravá-la duas vezes - em mono e em estéreo.
Não há profundidade discernível nesse exercício acadêmico, nem mesmo no encantador Adágio, mas Beecham deu-lhe tanto de sí que, depois de sua morte, em 1961, a obra praticamente desapareceu do repertório.
As suítes de L'Arlésienne, encomendadas como entreatos para uma peça de Alphonse Daudet, são uma colagem trivial de temas folclóricos que Beecham trata com espanto infantil e com uma chicotada de humor cético. Há uma passagem no início da primeira suíte que ele faz soar como a seção de aposentados de uma banda de metais, uma brincadeira pessoal que poucos além deste filho do norte industrial da Inglaterra poderiam apreciar.
Pela brincadeira e pela malícia, prazer e pompa, não houve melhor intérprete para as frivolidades musicais.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Schubert: A Morte e a Donzela - Quarteto Amadeus - DG Hanover, Beethovensaal, 3-6 de Abril de 1959.

Três refugiados judeus austro-germânicos se conheceram num campo de detenção britânico no início da Segunda Guerra. Ao serem libertados, conheceram um estudante britânico de origem judaica e formaram um quarteto de cordas, batizando-o com o nome do meio de Mozart. A estréia deles, no Wigmore Hall de Londres, em Janeiro de 1948, foi patrocinada pela filha do compositor Gustav Holst, Imogen. O Quarteto Amadeus viria a dar 4.000 concertos nas quatro décadas seguintes, e sua dissolução, após a morte do violinista Peter Schidlof, foi manchete de 1ª página no NY Times de 11 de Agosto de 1987.
A fama do grupo se baseou em gravações. Depois de um breve período com a EMI eles se transferiram para a DG para gravar longos ciclos de Mozart, Haydn, Beethoven, schubert e Brahms. Desconfiando da modernidade - nunca gravaram nada de Schoenberg, Janacek ou Shostakovich - mesmo assim o Amadeus nutria simpatia por Benjamin Britten, que compôs para eles seu Terceiro Quarteto, já no leito de morte. O sucesso deles foi calcado numa incessante tensão. Volúveis em seus desentendimentos, os músicos se recusavam a dividir a mesma cabine de trem e revestiam sua individualidade com irritação no palco, de tal forma que cada concerto era uma batalha de opiniões. Eles amoleceram ao longo dos anos, mas, nas gravações dos primeiros tempos, por mais intensos que tenham sido os ensaios, mostram-se quase impetuosos nos ataques. Esta sessão de Schubert, a estréia na DG, foi um marco decisivo na carreira do Quarteto. O ataque de abertura é funcionalmente precário e não necessáriamente belo, mas, à medida que os músicos vão desenrolando a história, esta adquire como que uma cicatriz de busca e perda, fúnebre no Andante, furiosamente ressentida no Finale e impulsionada por quatro personalidades teimosas e veementes. Não há nada de confortável ou doméstico na música que eles fizeram.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Shostakovich: Concertos para Violino e para Violoncelo - David Ostraich, Mstislav Rostropovich

Dmitri Shostakovich teve sorte com seus solistas. Dois concertos para violino foram escritos para David Ostraich, amigo próximo e artista inspirado; os concertos para violoncelo foram feitos para Mstislav Rostropovich, igualmente eloqüente em sua defesa. Em ambas as ocasiões, o primeiro concerto foi superior ao segundo.
Depois que a morte de Stalin relaxou a guerra fria, a América estava ansiosa para ouvir os artistas soviéticos, e as gravadoras interessaram-se em registrá-los em novas obras. Ostraich levou o Concerto para Violino ao Carnegie Hall dez semanas após estreá-lo em Leningrado. Ele o descreveu como "uma das criações mais profundas do compositor" e tocou com energia explicitamente nervosa, aludindo ao período do "Grande Terror", durante o qual ele ficou guardado no fundo de uma gaveta até que Shostakovich ousasse mostrar-lhe o manuscrito. O regente, Dimitri Mitropoulos, acabara de fazer a estréia americana da Sinfonia nº10 do compositor e parecia ter um conhecimento intuitivo das mensagens codificadas contidas em sua obra. A orquestração dispensa os trompetes e trombones, como se negasse a preferência do Kremlin pelo bombástico. Ela destacava a voz melancólica do violino solitário contra um rumoroso pano de fundo, para depois, no segundo e quarto movimentos, dançar ironicamente ao redor de tiranos vaidosos. Rostropovich apresentou o Concerto para Violoncelo, mais suave, com Eugene Ormandy e a Orquestra da Filadélfia, três anos depois, diante de delegações de compositores americanos e soviéticos convidados com o objetivo de simular a harmonia entre as grandes potências. Sua interpretação se regozija em melodioso romantismo. Novamente, a tinta do concerto estava fresca, pois a estréia havia sido feita havia apenas um mês em Moscou. Rostropovich avança elegantemente através das passagens mais difíceis; seus momentos mais ferventes estão no Moderato do segundo movimento, onde a dor está profundamente enraizada. Shostakovich sentou-se na platéia e, mais tarde, na sala de gravação. A sessão de fotos de Don Hunstein mostra-o alegre e relaxado, quase dançando no palco, em comunhão com solista e regente. Rostropovich explicaria mais tarde que esse concerto está "impregnado do sofrimento de todo o povo russo".

Ravel: Daphnis et Chloé - Orquestra Sinfônica de Londres - Pierre Monteux - Decca, London Kingsway Hall 27-28 de Abril de 1959.

Pierre Monteux foi um dos músicos mais discretos: nunca teve a pose de um pavão no pódio. Entre as estréias que ele regeu estão "Petrushka" e "A Sagração da Primavera", de Stravinsky e "Jeux" de Debussy; foi diretor das orquestras de Boston, Paris e São Francisco.
Aos 83 anos, desanimado com a inconsistência das orquestras francesas, Monteux abraçou um desafio em Londres, onde três grandes orquestras estavam competindo por datas de gravação com a brilhante Orquestra Philarmonia, da EMI. Monteux entrou em acordo com a Orquestra Sinfônica de Londres e, no verão de 1958, tornou-se regente principal - um contrato de 25 anos, com opção de renovação. Seu otimismo era inquebrantável, assim como seu sotaque francês era irresistível. Contra o estruturalismo monolítico de Otto Klemperer na Philarmonia, Monteux introduziu uma sensibilidade para a graça e o gestual, para o refinamento do detalhe dentro da magnificência do edifício musical. O grande balé de amor de Ravel foi uma obra trazida à existência por Diaghilev em 1912. Ele arranca uma luz debussiana das cordas sedutoras e uma sedutora cintilação das madeiras. O despertar, no início da terceira cena, na interpretação de Monteux, é a antítese de Wagner: um amanhecer de clareza translúcida que jamais poderia ter sido visto por alguém que não fosse um francês do Mediterrâneo.
Tocar era sempre divertido quando Monteux estava por perto, e vários músicos procuravam o maestro para aulas particulares de regência. O primeiro trompista, Barry Tuckwell, e o líder dos segundos violinos, Neville Marriner, posteriormente tiveram carreiras de sucesso como regentes. O regente seguinte da Orquestra Sinfônica de Londres, Andre Previn, foi outro de seus alunos. A influência de Monteux sobre o disco foi maior do que os poucos que ele gravou.
A Decca concordou em gravar o não-comercial Daphnis et Chloé com a condição de que todo o balé seria condensado em um só LP. Monteux, sem se perturbar, acomodou a peça em 50 minutos, deixando espaço para a Pavane pour une infante défunte. Ele foi, nas palavras do produtor John Culshaw, a antítese da escola "um orgasmo por minuto de regência".

domingo, 17 de maio de 2009

Weill: Berlin and American Theatre Songs - Lotte Lenya - Columbia-Sony-BMG Hamburg Friedrich Ebert Halle 5-7 de Julho de 1955 - NY Studio

Só existiu uma Lotte Lenya, e sem ela, não poderia ter existido um Kurt Weill. Além de enlouquecer o pequeno e calvo compositor, com suas vaidades e infidelidades, Lenya foi a voz que levou Weill ao limite das possibilidades aurais, ao ponto em que o canto não se distingue mais da fala - um terreno que Schoenberg explorou, porém com menos sucesso, em seu Sprechgesang ("canto falado").
A voz de Lenya estava mais para um ruído urbano, o som do trânsito ouvido do vigésimo-quarto de um arranha-céu. Weill era um técnico de cidade pequena, perturbado pelas luzes da metrópole. Eles quase chegaram ao divórcio, em Berlim, enquanto ele compunha "A Ascensão e Queda da Cidade de Mahagonny", com a qual Lenya resumiu o abrasivo nervosismo da Alemanha pré-Hitler. Reunidos no exílio, eles encontraram uma nova linguagem, pois Weill estava compondo para a Broadway e Lenya diminiu seu ímpeto de "devoradora de homens". Embora seu canto nunca tenha sido belo, seus ritmos eram impecáveis, e seus papéis, inigualáveis. Como a pirata Jenny, ela pertencia a todos os homens. Na pele de Surabaya Jonny, ela caçoava e escarnecia. Como a faca de Macky, ela retalhava. Há mais sexo em uma só de suas fusas do que em todos os trabalhos de Madonna juntos. Muitas, inclusive Madonna, tentaram imitar sua atitude - Mary Martin, Ute Lemper, Teresa Stratas, Julia Migenes, Anne Sofie von Otter - mas Lenya é inimitavelmente ousada, e com uma arte que é só dela. Nos palcos da Broadway ela é provocante sem nenhum arrependimento. Weill pode ter atingido o coração da América em "Knickerbocker Holiday", mas a ruiva Lenya não era a esposa recatada de ninguém, e quando canta "It Never Was You", qualquer homem sabe que não poderia prendê-la. Quando Weill morreu, em 1950, ela realizou um supremo ato de amor ao gravar essas canções, resgatando a obra do marido do esquecimento que já se afigurava.

Grieg - Schumann: Concertos para piano - Solomon - Orquestra Philarmonia - Herbert Menges - EMI/Testament, London Abbey Road - 1956.

No começo da era do LP, algum gênio do terno listrado notou que Grieg e Schumann escreveram um único concerto para piano, ambos na mesma tonalidade, e com aproximadamente a mesma duração. O inventivo sujeito colocou-os um em cada lado de um disco e desde então eles são inseparáveis, apesar de seus temperamentos distintos. O concerto de Grieg é uma esparramada canção norueguesa, com bastante ruído e pouca sutileza emocional, ao passo que o de schumann desce fundo no tormento e na loucura. Poucos artistas tiveram sucesso em equilibrar tais discrepâncias. Solomon conseguiu uma fusão coerente.
O sincero Solomon Cutner (ele omitia o sobrenome) era filho de um alfaiate do West End londrino, e fez sua fama dando concertos para as forças armadas durante a guerra. Junto com Clifford Curzon, foi o mais importante pianista britânico de sua geração. Impassível no palco, baixo, gordo e prematuramente calvo, sua reserva era um antídoto contra o exibicionismo de outros pianistas. Com Solomon, a reflexão prevalecia, reduzindo a música a uma idéia germinal. Ele tinha uma linha direta com um dos compositores - sua professora, Matilde Verne, fora aluna de Clara Schumann - e uma afinidade tátil com o outro. Suas execuções soam simplesmente corretas: sonoras, narradas com maestria e com suspense o bastante.
Ele nunca teve a chance de brilhar num palco internacional. Semanas após essa gravação, aos 51 anos, ele teve uma hemorragia cerebral. Recuperou-se bem, voltou a usar todos os membros, e até jogava tênis, mas, embora tenha vivido até 1988, Solomon nunca mais colocou as mãos no teclado novamente.

Tchaikovsky: Sinfonias 4,5,6 - Orquestra Filarmônica de Leningrado - Kurt Sanderling / Evgeny Mravinsky - Deustche Gramophon -Viena Musikvereinsa

Sob o comunismo, foi negado ao mundo ver e ouvir os melhores grupos musicais da Rússia. Quando a proibição de viajar foi levemente relaxada, no ano em que Khrushchev denunciou Stalin, Viena recebeu uma visita da Orquestra Filarmônica de Leningrado, sob a direção de seu magérrimo regente principal, Evgeny Mravinsky, e de seu assistente, o exilado alemão Kurt Sanderling.
Subnutridos, rodeados de espiões e preocupados com suas famílias na Rússia, os músicos não puderam ter nenhum contato direto com seus colegas vienenses ou com o público, e não ousavam sorrir para os frequentadores dos concertos, no saguão, por medo de serem detidos e interrogados pela temida KGB. Seu único meio de expressão era a música, e essa foi brilhantemente expressiva. O plangente destaque sonoro das madeiras confirma uma tradição que remonta a Tchaikovsky, cujas obras principais foram levadas pela primeira vez à público por essa orquestra. A total familiaridade com as obras está estampada nessas execuções, a tal ponto que os músicos parecem poder tocar no escuro, ou sem as partituras. Sanderling abre o disco com uma imponente Quarta Sinfonia, que é mais narrativa e menos bombástica do que de hábito. Mravinsky, que nunca tinha sido ouvido na Europa Ocidental, dirige a soturna Quinta Sinfonia e a lamentosa Sexta (Patética) com sóbria humanidade, aludindo a um sofrimento que era compartilhado por todos no planeta. Os solos de fagote na Quinta demarcam a diferença cultural entre a tristeza russa e a vienense; o finale da Patética é comovedoramente trágico. Nada deste tipo havia sido gravado ainda, e Elsa Schiller, da DG voou para Moscou a fim de negociar uma permissão para o lançamento, num clima de discreta distensão internacional. Mas o degelo durou pouco, e o mesmo aconteceu com esse lançamento. Quatro meses depois, forças soviéticas esmagaram a Primavera de Praga, e a Guerra Fria se aprofundou mais uma vez.
Quatro anos passariam até que o Kremlin permitisse à Mravinsky e sua orquestra que viajassem até Londres e regravassem as sinfonias em estéreo. As sessões tiveram lugar no Wembley Town Hall, longe do coração da cidade, e a execução não tem o mesmo brilho da outra. Os concertos de Viena tiveram a emoção da revelação.

Bartók: Concerto para Orquestra - Orquestra Sinfônica de Chicago - Fritz Reiner - RCA Sony BMG Chicago Orchestra Hall 22 de Outubro de 1955

Em 1943 o rico maestro Serge Koussevitsky deu a Bartók 1000 dólares para a composição de uma peça orquestral, num período em que o auto-exilado húngaro estava com leucemia e lutava para pagar o tratamento médico ("Vivo de meio em meio ano", contou ele a amigos). Poucos souberam que a encomenda fora discretamente incentivada por Fritz Reiner, o diretor musical da Orquestra de Pittsburg, que conhecia o compositor desde a faculdade em Budapest. Foi Reiner que assinou o aval que permitia a entrada de Bartók e a esposa nos Estados Unidos.
O resultado da encomenda superou todas as expectativas - tratava-se não somente de uma nova obra, mas também de uma forma totalmente original, uma partitura em que cada instrumento tinha sua chance de brilhar, tudo inserido num vigoroso diálogo socrático que serviu de modelo para as Nações Unidas, um forum no qual cada país, não importa o quão pequeno fosse, teria o direito de se manifestar. Koussevitsky regeu a célebre estréia em Dezembro de 1944, transmitida para todo o país pelo rádio. A peça ganhou imediatamente o status de obra-prima. Logo após, Reiner dirigiu a segunda apresentação em Pittsburg. Ao longo da década seguinte, o concerto foi executado duzentas vezes, mais do que qualquer outra peça orquestral contemporânea. Em disco, porém, ela continuava a se esquivar. Koussevitsky gravou uma versão literal para a RCA, colorida e bombástica; Eduard van Beinum traduziu a partitura em Amsterdã com um excesso de elegância; outros se excederam no entusiasmo.
Foi preciso Reiner para extrair da obra o ar impertinente, a grosseira paródia da Sinfonia nº7 "Leningrado", de Shostakovich (vista como um triunfo soviético) e a saudade de uma Hungria que nenhum dos dois veria novamente. Com uma orquestra de alto nível em Chicago, Reiner buscou a precisão em movimentos rapidíssimos ( a seção "Pesante" do finale é de tirar o fôlego), mas também a suavidade e uma elevada emoção. Nas mãos de Reiner, a obra se revela como unidade estrutural, e não uma mera sequëncia de trechos interessantes. Não é preciso saber que Bartók está prestando um respeitoso tributo aos instrumentos da orquestra. A música é simplesmente monumental.

Download aqui:
http://rapidshare.com/files/209667258/PQP_Bartok_Fritz_Reiner_1960.rar

Mozart: As Bodas de Fígaro - Orquestra Filarmônica de Viena, Erich Kleiber - Decca- Viena Redoutensaal, Junho de 1955

Um elenco dos sonhos. Viena, na década que se seguiu à Segunda Guerra Mundial, reuniu um incomparável conjunto de intérpretes de Mozart, com Hilde Gueden (condessa) Lisa della Casa (Susanna) e Alfred Poell (conde) na relação de artistas estáveis da Ópera Estatal, que fora arrasada pelos bombardeios e estava sendo reconstruída, tijolo por tijolo com a ajuda financeira do público. Para o bicentenário do nascimento de Mozart, a companhia britânica Decca (que mantinha um contrato exclusivo com a Orquestra Filarmônica de Viena) decidiu gravar as três óperas com libreto de Da Ponte, com austríacos autênticos - Don Giovanni com Josef Krips, Cosí fan Tutte com Karl Böhm, e Fígaro nas mãos mais experientes de um homem que tinha fugido da Europa de Hitler para a América do Sul e agora estava de volta como o mais requisitado regente convidado do continente.
Erich Kleiber, quando era ainda um menino, ouvira Mahler reger Mozart em Viena. Ele acabou se tornando diretor da Ópera Estatal de Berlim em tempos modernos e fez a estréia mundial de Wozzeck, de Alban Berg, após mais de 120 ensaios. Depois da guerra, ele ajudou a elevar o nível de interpretação do Covent Garden e restringiu-se, após a meia idade, a reger as peças que considerava realmente importantes. Antes de abordar o Fígaro, ele passou meses em Viena procurando partituras e textos antigos. Foi por insistência dele que todos os recitativos foram gravados pela primeira vez. busca por melhores ganhos. Kleiber, contudo, impôs sua autoridade logo no início da Abertura com um andamento que parece tão orgânicamente correto que os músicos e os cantores ficaram hipnotizados por sua batuta por mais de duas semanas de gravações. Mesmo com todas as consultas de Kleiber aos originais de Mozart, o drama transcorre em ritmo convincentemente contemporâneo.
A parte cantada é inquestionavelmente bela. Dois italianos, Cesare Siepi e Fernando Corena, foram trazidos para cantar Fígaro e Bartolo, ao passo que uma belga, Suzanne Danco fazia o Cherubino. Mas a atmosfera é indubitavelmente vienense, e a brincadeira origina-se no próprio Mozart. Uma ária após a outra - "Porgi amor", "Voi che sapette", "Venite" rolam de Della Casa, Danco e Gueden como se fossem um colar de pérolas, e não se detecta uma só falha quando são examinadas ao microscópio da gravação. O resultado só poderia ser esse, como sentiu o produtor Peter Andry: melhor, impossível.
O lançamento foi marcado para Novembro de 1955, para coincidir com a reabertura da Ópera de Viena. Antes disso, Böhm renunciou como diretor e Karajan esperava nos bastidores para assumir. Kleiber foi convidado a participar da reinauguração com o Réquiem de Verdi, mas em meio à intriga vienense, foi deixado com solistas de qualidade inferior. Magoado e deprimido, abandonou a regência. Em 27 de Janeiro de 1956, exatos 200 anos depois do nascimento de Mozart, ele foi encontrado morto na banheira de um hotel na Suiça.

Brahms: Concerto para piano nº 1 - Arthur Rubinstein - Orquestra Sinfônica de Chicago - Fritz Reiner RCA , Chicago Orchestra Hall

Vencida pela CBS na corrida do LP, a RCA chegou antes na do estéreo. Após algumas sessões experimentais em NY, com o entusiasta do áudio, Leopold Stokovski, os engenheiros foram até Boston para gravar A Danação de Fausto, de Berlioz, sob a regência de Charles Munch. Os resultados foram animadores, mas ficaram aquém do som mono de boa qualidade. Os engenheiros foram então para Chicago, cuja orquestra tinha um novo e rigoroso diretor musical, Fritz Reiner, e o pianista campeão de vendas do selo, Arthur Rubinstein, lá estava para tocar o primeiro concerto para piano composto por Brahms.
regente e solista tiveram um rápido desentendimento, em razão de uma observação casual de Reiner sugerindo que Chopin era um compositor afeminado e provavelmente gay, um insulto levado por Rubinstein para o lado pessoal e nacional, sendo ele também polonês. Em uma atmosfera frígida, os dois profissionais trataram de interpretar o mais caloroso dos concertos, uma tapeçaria sonora romântica ricamente colorida. Rubinstein reinou com sua habitual exuberância e tocou com límpida precisão, com o piano colocado realisticamente um pouco à esquerda, em vez de bem na frente, como ele preferia. Reiner conseguiu extrair um som lindamente lírico da orquestra, abrindo o Adágio com cordas aveludadas e sopros apimentados e mantendo o mais absoluto controle ao longo de três quartos de uma hora muito curta. As gravações de Curzon, Solomon, Brendel e Gilels têm seus defensores, mas a mistura de um solista obstinado e um regente de idéias firmes proporciona um intenso pano de fundo para um música de beleza sublime e estrutura intimidante. Os produtores Richard Mohr e Jack Pfeiffer, com os engenheiros Lewis Layton e Leslie Chase (todos nomes lendários para os audiófilos), limitaram-se a três microfones, cada um para um canal separado, dando uma imagem precisa da esquerda e da direita e uma visão geral do centro. Esta foi a gravação inaugural da era do estéreo, a sessão na qual se provou que o novo sistema valia a pena, e o time voltou em júbilo para suas bases. Para desalento geral, o disco levou quatro anos para ser lançado, tempo durante o qual os selos discutiam a respeito de um formato estéreo único e o público era persuadido a investir em novos aparelhos.

Puccini: Tosca - Maria Callas, Tito Gobbi, Giuseppe di Stefano - Coro e Orquestra do Teatro alla Scala - Victor de Sabata - EMI

A Tosca pode ser a ópera mais continuamente encenada, mas na mente do público, só existe uma intérprete para o papel-título: Maria Callas, cujas voz e natureza nunca foram das mais suaves, deu veracidade a um enredo sórdido e ferocidade à sua apoteose. Molestada pelo torpe Scarpia, que havia prendido e torturado seu marido artista, Tosca pega uma faca de cozinha e o mata. Segundo reza a lenda, Callas, no palco, usou a faca de plástico com tanta força que fez Gobbi, seu parceiro habitual, sangrar, para espanto dos espectadores que pensaram que ela realmente o tinha esfaqueado.
A gravação, com Giuseppe di Stefano como um heróico Caravadossi e o grupo do Scala sob a direção austera de Victor de Sabata, foi feita no início da carreira de Callas, o que explica o fato de a cantora ter seguido a orientação de um regente. De Sabata ensaiou com ela a ária final do segundo ato durante meia hora, fazendo-a cantar o verso final umas trinta vezes, até conseguir dela um resmungo grave, um som agourento, de gelar a medula. A cena do "Te Deum" precisou ser ensaiada por seis horas até De Sabata ficar satisfeito. Walter Legge, da EMI, ficou sentado no fundo da platéia e deixou que os acontecimentos tivessem livre curso, selecionando depois as melhores tomadas ao longo de quilômetros de fita, depois que os músicos tinham ido embora. A voz de Callas, cuja beleza jamais foi convencional, possuía uma dimensão teatral que pôde ser sentida melhor em disco que no palco. Em "Visi d'Arte", de joelhos diante de Scarpia, ela cai em prantos de maneira forçada, mas consegue convencer o ouvinte de sua agonia mais eficazmente do que a perfeita afinação de outras cantoras. Callas, em disco, sempre incorporou suas personagens. O retrato pode não ser belo, mas é brutalmente real.
A Tosca foi o último papel que ela cantou no palco, antes de se aposentar, em 1965, ferida no orgulho e no coração, quando o armador grego Aristóteles Onassis a deixou para casar-se com Jacqueline Kennedy. No que concerne ao sucesso em disco, nenhum outro artista jamais se igualará a ela. No século XXI, três décadas após sua morte, Callas ainda vende mais discos que qualquer soprano viva.

Strauss: As quatro últimas canções - Lisa della Casa, Orquestra Filarmônica de Viena, Karl Bohm - Decca, Viena Musikverein, Junho de 1953.

As quatro últimas canções de Richard Strauss - uma quinta apareceu depois que a edição foi impressa - tiveram sua estréia no Royal Albert Hall em 22 de Maio de 1950, oito meses depois da morte do compositor, na voz da fenomenal Kirsten Flagstad, regida por Wilhelm Furtwängler. Seguiram-se alguma confusão e controvérsias. Flagstad cantou as peças na ordem em que Strauss as escreveu, como folhas caindo de um carvalho no inverno. Os editores, Boosey & Hawkes, trocaram a ordem para começar com "Früling" (primavera), uma canção com muita cadência.
Sena Jurinac cantou na primeira gravação comercial para a EMI (Fritz Brusch regeu em Estocolmo), seguindo a ordem impressa e com algumas incertezas na interpretação. A gravação da Decca foi a segunda e teve méritos adicionais. A orquestra havia sido regida pelo próprio Strauss no passado, e a soprano suiça Lisa della Casa possuía uma serenidade vocal que, mais do que a magnificência inquebrantável de Flagstad, evocava o modo de cantar da esposa de Strauss, Pauline, sua inspiração ao longo de toda a vida. O regente foi Karl Böhm, parceiro do compositor no jogo de cartas, e o estado de espírito é mais ensolarado que comemorativo. Os andamentos são rápidos, e a respiração natural. O que fica mais evidente é que a ordem em que as canções são interpretadas difere das que foram adotadas tanto por Flagstad quanto por Boosey, começando logicamente, com "Beim Schlafengehem" (indo dormir), um canto de despedida de um artista descomplicado que olha em retrospectiva para uma vida que ele gozou plenamente e está pronto a deixar com um sorriso. "September" vem em seqüência, seguida por "Frühling" e, finalmente, "Im Abendrot" (no lusco-fusco). Della Casa canta sem afetação operística, como se estivesse se lembrando, sozinha, de um querido avô, e os solos de violino executados pelo spalla Wolfgang Scheneiderhahn tem a doçura de um terno pesar. O produtor da Decca era Victor Olof, às vésperas de uma escandalosa deserção para a EMI. O som ficou exemplarmente balanceado para uma gravação mono. Várias cantoras gravaram esse ciclo depois - Schwarzkopf (com Szell) Lucia Popp (Tennstedt) Jessye Norman (Masur) Karita Mattila (Abbado) - mas Della Casa foi, em disco, a primeira a dar a essas canções crédito e encanto.

Verdi: Aída - Renata Tebaldi, Mario del Monaco, Ebe Stignani - Coro e Orquestra da Academia de Santa Cecília, Alberto Erede

Renata Tebaldi foi o antídoto da natureza contra Maria Callas. Contida onde a cantora grega se excedia em emoção e de voz pura nos trechos em que Callas estrilava, ela era adorada pelos conhecedores de ópera, mas nunca gozou da mesma celebridade. Estava com trinta anos quando fez essa gravação. Tebaldi estreou nos Estados Unidos como Aída em São Francisco, em 1950, mas foi somente após cinco anos que se tornou presença constante no Metropolitan de NY, a jóia da coroa após Rudolf Bing ter demitido sua tempestuosa rival. Ao passo que Callas era estrela da mídia, Tebaldi era a rainha do palco, a serena ditadora da ilusão.
Um ano mais velha qua Callas, ela nunca se casou nem dormiu com milionários, chegava pontualmente aos ensaios e cantava com prazer. Sua única rebeldia era recusar-se a cantar óperas não-italianas e a comer comida estrangeira, por achar incultas as outras línguas e culinárias.
Callas fazia manchetes sobre a rivalidade entre elas, perguntando aos jornalistas se estes não preferiam seu champanhe à Coca-Cola do Met. Tebaldi respondia que achava o champanhe uma bebida um tanto amarga. Elas estavam no cume da ópera. Ao passo que Callas reinava no Scala de Milão, Tebaldi dominava Florença e Roma. Callas ocupava o Covent Garden, que Tebaldi boicotava por ser "uma casa de Callas." Para além da hostilidade, havia um respeito mútuo. Esta Aída foi o trampolim de Tebaldi, um ano antes do aparecimento de Callas. Foi também a primeira gravação de ópera a soar de modo realista. Mesmo limitada pelo som mono, a sala da Academia Santa Cecília deu uma dimensão cavernosa ao deserto egípcio de Verdi e uma asfixiante claustrofobia ao sepultamento de Radamés. Apesar dos quarenta graus de temperatura, sem o ar-condicionado, Tebaldi canta sem esforço, destacando-se, mesmo quando acompanhada por grandes coros, e alternando para sussurros. Ela cantava mais suave que qualquer spinto* da época, e, embora o corpulento Mario del Monaco não fosse o parceiro ideal, o regente, Alberto Erede, foi o melhor balanceador das vozes. Muitos dizem prefrir a versão stéreo de Tebaldi para a Aída com Bergonzi e Karajan, mas esta interpretação tem as virtudes do frescor e da ousadia. Nada fica para trás, e Stignani, que freqüentemente era apenas um realce para Callas, encontra na luminosa Tebaldi uma personalidade mais confiável. Meio século depois, ainda não havia nenhuma Aída (exceto a nova versão com karajan) que se igualasse a essa.

*Termo usado para uma voz lírica, geralmente soprano ou tenor, capaz de soar possante ou incisiva nos clímaces dramáticos.

Wagner, Tristan und Isolde - Kirsten Flagstad, Ludwig Suthaus, Blanche Thebom -Orquestra Philarmonia - Wilhelm Furtwängler

Esta gravação essencial quase não foi feita. Furtwängler disse à EMI que nunca mais trabalharia com o insidioso produtor Walter Legge, a quem acusava de ter sabotado sua carreira para promover Karajan. Flagstad, a grande intérprete de Isolda, disse à gravadora que não gravaria sem Furtwängler, em quem confiava implicitamente, ou sem Legge, que discretamente se propôs a substituir os dois dós agudos do segundo ato, que ela não conseguia alcançar, pela voz da esposa dele, Elizabeth Schwartzkopf. O impasse era insuperável, e o tempo passava rápido. Flagstad estava com 57 anos e já havia anunciado sua retirada dos palcos.
Chegou-se então a um acordo. Legge pediu desculpas por escrito à Furtwängler por quaisquer danos causados pelos motivos "alegados". O regente, por sua vez, reconheceu a excelência da orquestra londrina de Legge e voltou atrás quanto à sua exigência de gravar em Berlim ou em Bayreuth. O elenco foi rapidamente formado. Tristão e Brangäne foram segundas opções - Lauritz Melchior foi considerado velho demais para o papel de Tristão e Martha Mödl estava prestes a cantar Isolda para o impronunciável karajan. Furtwängler enxertou Suthaus, a quem havia dirigido como Tristão em 1947; Flagstad recomendou Thebom, uma americana de origem sueca, sua protegida. Josef Greindl e Dietrich Fischer-Diskeau cantaram ótimos Rei Mark e Kurnewal. Os holofotes, no entanto, ficaram para o regente e o soprano. Flagstad canta uma Isolda capaz de derreter um iceberg, mais carinhoso do que erótico; seu amor por Tristão se aprofunda com a maturidade. Seu som enche o espaço como uma inundação, não deixando espaço algum para a descrença. Furtwängler, intelectualmente desconfortável com a indústria da gravação, jamais regera uma ópera em estúdio. Ele reprovou a sala do subsolo e o ruído dos trens passando ao lado, o que não o impediu de conduzir com tranquila segurança e assumir inspirados riscos; sua saúde estava abalada, e ele vivia ansioso por deixar um legado de sua interpretação.
Quando tudo terminou, ele colocou um braço em volta dos ombros de Legge e disse: "Meu nome será sempre lembrado por isso, mas é o seu que deveria ser." Legge revelou, em caráter privado, que este foi o único elogio que ele recebeu do maestro em quarenta gravações que fizeram juntos. Sobravam duas horas no final da última sessão, e Legge sugeriu que Furtwängler podia usá-las para gravar as "Canções de um viajante", de Mahler, com Fischer-Diskeau. O regente voltou-se bruscamente e disse: "Eu prometi Tristão, e é apenas isso que você vai ter." Eles nunca mais voltaram a trabalhar juntos.

Suk: Sinfonia Asrael - Orquestra Filarmônica Tcheca, Vaclav Talich - Supraphon, Praga - Dvorak Hall Rudolfinum 22-29 de Maio de 1952.

Para uma nação pequena, os tchecos são excepcionalmente dotados de grandes compositores, mas a sinfonia que mais os agita vem de um mestre menor. Joseph Suk foi um violinista que se casou com a filha de Dvorak, Otilie. Quando seu sogro morreu, em Maio de 1904, Suk, respeitosamente começou a compor um réquiem, dando-lhe o nome do anjo Asrael, aquele que acompanha as almas até o Paraíso. Em meio à composição do quarto movimento, Otilie ficou doente; ela acabou morrendo em Julho de 1905. Suk rasgou o Adágio e escreveu um novo: "Para Otilka".
Asrael é um duplo lamento, um sepultamento de esperanças. Surda de tristeza, contida em raiva, a sinfonia continha para os tchecos tudo o que eles não podiam expressar durante as duas guerras mundiais e ocupações por potências estrangeiras. No campo nazista de Theresienstadt e nos campos de trabalho soviéticos, compositores oprimidos citavam temas de Asrael para apoiar as almas condenadas ao redor deles. A glória da peça é que ela se recusa a ficar atolada na desgraça e escapa rapidamente para as terras altas da superação. Solista e camerista de sucesso, Suk conhecia bem o repertório clássico, o suficiente para citar com propriedade Verdi, Beethoven, Brahms, e inevitavelmente, Dvorak. Mas a peça evita a colcha de retalhos, e seu Finale, um retrato amoroso de Otilie, retrabalha texturas brucknerianas de forma totalmente original.
Vaclav Talich, amigo próximo de Suk, regeu a Filarmônica tcheca de 1919 a 1941. Tal como Wilhelm Furtwangler em Berlim, ele permaneceu no posto durante os anos de poderio de Hitler, e mais tarde sofreu por isso. Os comunistas o baniram para Bratislava, onde ele fundou a Filarmônica Eslovaca. Nas trevas stalinistas de 1952, ele foi trazido de volta a Praga para reger Asrael. As prisões eram corriqueiras, e homens eram enforcados sob falsas acusações de traição. Sem exagerar na emoção da obra, Talich conseguiu descortinar de forma nobre o sofrimento e a esperança de uma nação, numa execução que capta um momento terrível e preserva sua solene dignidade para sempre.

Beethoven, 9ª Sinf. - Orquestra Sinf. Da NBC - Arturo Toscanini - RCA NY Carnegie Hall 31 de Março 1º de Abril de 1952.

Várias são as gravações históricas da Nona. Houve aquela de Bernstein, na ocasião da queda do muro de Berlim, substituindo o grito de liberdade (Freiheit) por alegria (Freude). O LP de 1962 de Karajan, em Berlim, logo após a construção do muro, é a versão mais vendida da Nona em todos os tempos. Wilhelm Furtwangler dirigiu uma importante execução para a reabertura de Bayreuth após a guerra. Felix Weingartner, um aficcionado por Brahms, criou um estilo verdadeiramente autêntico em duas gravações, em 1926 e em 1935.
No entanto, de todas as gravações da Nona - e há cerca de sessenta - uma se destaca pela furiosa energia e pela fé na bondade humana. Toscanini já havia regido a Nona durante 50 anos quando pisou no Carnegie Hall para o que ele pretendia deixar como um legado significativo de sua arte. Quando ele regeu a obra pela primeira vez, em 1902, em Milão, a sinfonia havia sido ouvida na cidade apenas três vezes. Agora a Nona era não somente a mais familiar das obras-primas, mas também a mais simbólica, um sinal de esperança depois da devastação da guerra. Toscanini a havia regido na reinauguração do Scala, em 1946; aqui, ele a apresenta como uma jóia cultural a ser legada às gerações futuras.
Os primeiros dois movimentos são de tirar o fôlego, de tão rápidos. O Adágio é denso e de sonoridade gloriosamente calorosa. O Coro Robert Shaw e o quarteto de cantores americanos no Finalle - Eileen Farrel, Nan Merriman, Jan Peerce e Norman Scott - erram para o lado do entusiasmo, quase estourando os pulmões, mas a progressão é flexível e o calor, intenso. Em meio ao bombástico, ouvem-se ilhas de intimidade e calma. Como foi gravado no Carnegie Hall, escolhido por ser mais adequado que o apertado estúdio da NBC, o som é vívido. "Estou quase satisfeito", disse Toscanini ao ouvir a gravação. E acrescentou, após um momento de reflexão: "Eu ainda não compreendo essa música."


Download aqui:
http://rapidshare.com/files/114624543/Beethoven_Toscanini_Sinfonia_N.9.rar

Strauss rege Strauss: Don Juan, Don Quijote, Uma Vida de Herói, Till Eulenpiegel, Japanische Festmusik - Orquestra Filarmônica de Berlim,

Richard Strauss foi o mais velho dentre os compositores ilustres a gravar sua própria música. Tal como Mahler, Strauss foi um dos melhores regentes de sua época, tendo ocupado o cargo de diretor musical em Berlim (1898-1918) e Viena (1919-1924) . Impassível no pódio, ele desprezava como amadores suarentos aqueles que pulavam e agitavam os braços. As suas entradas eram marcadas com o levantar de uma sobrancelha e o crescendo pelo levantar discreto do cotovelo. Nada havia de arrogante em sua atitude para com os músicos. "Por gentileza, toque como está escrito", era a sua reprimenda mais severa. Um observador notou: "Seu tom de voz é baixo, e ele pede as coisas tão gentilmente que não encontra objeções ou restrições; ao contrário, há uma troca livre de explicações, perguntas e respostas." Na hora do almoço, ele jogava cartas com os músicos, que consideravam uma honra perder seu suado dinheiro para o lendário compositor. A sutileza das suas mudanças de pulsação pode ser ouvida aqui em seus grandes poemas sinfônicos, juntamente com repentinas explosões de potência orquestral. O erotismo flui sem rubores na dança dos véus de Salomé e em Uma vida de Herói. Em Till Eulenspiegel, o senso de diversão é irreprimível. Strauss deve ter gostado de gravar; ele certamente apreciava o dinheiro que as gravações rendiam. Sua gravação de 1941 da valsa do Cavaleiro das Rosas, que lhe propiciou o suficiente para a construção de uma casa, é enriquecida pelo odor da auto-satisfação.
Àquela altura, Strauss estava politicamente comprometido e em estado de aflição. Ele havia a princípio aceitado um cargo cultural dos nazistas, mas foi surpreendido fazendo afirmações contrárias à Hitler em cartas ao seu ex-libretista Stefan Zweig. Sua nora era judia, sua mãe havia sido deportada e seus netos podiam ser detidos a qualquer momento. Sob essas nuvens que se acumulavam, Strauss compôs e regeu, em 1941, uma oferenda política - uma obra festiva para o segundo milésimo hexacentésimo aniversário da monarquia japonesa, repleta de orientalismos artificiais, em uma sopa de sentimentalismo. A execução aqui é tão proficiente - e histórica - como qualquer outra. Seja o que for que Straus tenha colocado em sua música, sua expressão jamais traiu uma só particula de emoção.

Pablo (Pau) Casals - Suítes para Cello, Bach - EMI Londres, 23 de Novembro de 1936, Paris 2-3 de Junho de 1939.

As seis suítes para cello solo eram praticamente desconhecidas, até que um garoto comprou as partituras, numa loja de Barcelona, em 1890, e as escolheu como seus exercícios matinais, tocados antes do café da manhã, todos os dias durante o resto de sua longa vida. O garoto era Pau Casals, e seu sucesso na gravação colocou as suítes em circulação pelo mundo.
Com os olhos fechados no palco, Casals revestiu a música de uma dimensão espiritual que provavelmente nunca foi a intenção de seu compositor.
No auge da Guerra Civil Espanhola, ele tocou o ciclo para trabalhadores e combatentes do lado republicano. O dia mais feliz de sua vida, disse ele, foi quando tocou a Suíte em Mi Bemol para um público de 8 mil pessoas. Quando a República caiu, ele retomou as suítes como lamento e reprovação, recusando-se a pisar novamente em sua terra natal enquanto durou o jugo fascista. Ele gravou a Suíte em Ré Menor e a Suíte em Dó Maior em Londres durante a guerra, e as outras quatro em Paris quanto tudo estava perdido. Suas interpretações nessa época são animadas e descomplicadas, embora decoradas com um vibrato altamente pessoal, que ele chamava de "entonação expressiva". Essa liberdade é mais que metafórica. Ela eleva uma passagem simétrica na Allemande da Suíte em Sol Maior para além de sua forma barroca, atingindo uma modernidade vivaz e infinitamente flexível. Essa foi a maneira de Casals fazer a velha música soar com relevância de nova, o que raramente falha ao longo de todo o ciclo. A Sarabanda da Suíte em Dó Maior é tocada num andamento tão tranquilo que ninguém poderia imaginar dança-la, mas isso é prontamente balanceado pelas duas Bourrées que simplesmente saltam dos alto-falantes; a Giga que conclui a suíte volta-se novamente para dentro, uma dança final sozinha com seus pensamentos.
Casals pode soar às vezes pesado em comparação com seus sucessores, como as versões elegantes dos franceses Pierre Fournier, Paul Tortelier e Maurice Gendron, mas ele nos dá uma música de utilitária grandeza, dignidade e, sobretudo, esperança. É tanto uma performance quanto um testamento, um projeto para o futuro do violoncelo.

Mahler, Sinfonia nº 9 - Orquestra Filarmônica de Viena - Bruno Walter - EMI Viena Musikvereinsaal 16 de Janeiro de 1938

Em 16 de Janeiro de 1938, Bruno Walter regeu a Filarmônica de Viena na nona sinfonia de Gustav Mahler, obra que eles haviam estreado juntos 25 anos antes, alguns meses depois da morte do compositor. Arnold Rosé, cunhado de Mahler, ainda era o spalla da orquestra, mas a música de Mahler havia sido banida da Alemanha por racismo e era rejeitada por seu emocionalismo nos contidos países de língua inglesa. Com Adolf Hitler batendo aos portões, a platéia nervosa sabia que poderia estar ouvindo esta música pela última vez em sua vida. Nas primeiras fileiras estava a viúva de Mahler, Alma, e o chanceler austríaco Kurt Schuschnigg, que semanas mais tarde, entregaria o seu país ao Terceiro Reich. Muitos naquela sala (seis na orquestra) morreriam em campos de de concentração. Como um pressentimento trágico, esse disco tem poucos paralelos na civilização ocidental, desde as inscrições na parede no banquete bíblico de Baltazar.*
Como execução musical, a gravação é ainda mais presciente. O início é ameaçadoramente solene, mas sem medo, imponente e tranquilo. À medida que o andamento se acelera, a música começa a se afirmar como um corajoso desafio, um fantasioso desligamento que ignora os esmagadores coturnos dos eventos políticos. As ironias do segundo movimento são destacadas causticamente, e , no rondó burlesco, a orquestra fica à beira da temeridade. O tenso finale evita a tentação do consolo, optando por enfrentar sem concessões um futuro inevitavelmente sombrio. O solo de despedida de Rosé é profundamente tocante, mas com uma linha firme e calma. Semanas mais tarde, ele foi agredido por capangas uniformizados e forçado a fugir para Londres, onde morreu na miséria ao final da guerra, sabendo que sua filha violinista, Alma, havia sido assassinada em Auschwitz. Fred Gaisberg tirou de circulação esta primeira gravação da última sinfonia de Mahler, ciente de que seu pequeno potencial de mercado estava diminuindo ainda mais. Quando acabou de fazer uma primeira edição rudimentar do material, Walter já era um refugiado sem teto na Holanda e tentava conseguir um visto para a Inglaterra ou Estados Unidos. O regente criticou alguma aspereza nas cordas, mas decidiu que a gravação deveria ser lançada de qualquer maneira. Ela apareceu pouco antes da guerra, e algumas cópias chegaram à Europa ocupada pelos nazistas. Em Praga, jovens compositores se reuniram no apartamento de Viktor Ulmann para extrair resistência desta música proibida. Ulmann, que dedicara sua única sonata para piano à memória de Mahler, foi deportado, junto com a maioria de seus colegas, para Theresienstadt e acabou morrendo na câmara de gás de Auschwitz.

* Daniel 5-6.

Jascha Heifetz - Sibelius, Conc. para violino - Orquestra Filarmonica de Londres, Tomas Beecham - EMI Londres, Abbey Road, 26 de Nov. 14 de Dez. de 35

Jean Sibelius escreveu seu único concerto em 1903 e regeu-o um ano mais tarde em Helsinki, com o tcheco Vistor Novacek, um professor de conservatório, como solista. Na manhã seguinte, seu maior admirador, o crítico finlandês Karl Flodin, rejeitou a obra, considerando-a "um erro" por suas mudanças abruptas, que seriam contrárias à natureza fluente do compositor. Sibelius revisou a partitura e apresentou uma segunda versão em Berlim, com outro solista tcheco, Carl Halir, e Richard Strauss como regente. Nessa ocasião, os críticos foram apenas indiferentes. Um após outro, ao longo de três décadas, os violinistas tentaram toca-lo e desistiram, por consideráa-lo pouco gratificante, musical e fisicamente. Em 1937, o crítico principal do Times disse que o concerto era "uma obra fraca".
Surgiu então Jascha Heifetz, um violinista cuja técnica sobrepujava a de todos os demais. Heifetz aprendera a peça quando ainda garoto, em São Petersburgo. Após escapar da Revolução de 1917, ele fez seu nome nos Esrados Unidos com peças brilhantes, de exibição; não tocou o concerto de Sibelius até 1934. Uma gravação da RCA, planejada em Filadélfia, foi descartada após um desntendimento entre ele e Leopold Stokowski, em relação aos andamentos. Em londres, no ano seguinte, Heifetz se uniu a sir Thomas Beecham, o mais ardente de todos os intérpretes de Sibelius e juntos deram ao concerto o benefício da convicção categórica. Heifetz, frequentemente acusado de frieza, tocou com feroz segurança, atacando cada nota no tempo exato e levando a peça adiante como se fosse um sucesso popular de Tchaikovsky. Heifetz fizera pequenos cortes na partitura para melhorar a coerência da peça, mas o tom sibeliano prevaleca o tempo todo, e as afinidades com suas sinfonias são pronunciadas. Dito isso, há uma sugestão misteriosamente judaica do "Kol Nidrei" perto do final do Adágio, e a concepção estrutural de Beecham dá à peça um toque de graça. Uma vez que o enigma foi revelado, outros vieram correndo. Setenta gravações apareceram no meio século seguinte, mais que qualquer outro concerto. De alguma forma, ele ficou associado principalmente a solistas femininas - Genette Neveu, Ida Haendel, Kyung Wha Chung, Viktoria Mullova, Anne Sophie-Mutter, Sarah Chang.

Debussy, la Mer - Elgar, Variações Enigma - Orquestra Sinfônica da BBC - Arturo Toscanini - EMI Londres, Queen's Hall 3 e 12 de Junho de 1935.

Dois maestros não confiavam na gravação. Wilhelm Furtwangler deplorava sua rigidez, e Arturo Toscanini considerava o som gravado anti-musical. "Nossas duas experiências com Toscanini serviram para desencorajar futuras tentativas", disse o produtor da RCA, Charles O'Connell, em 1933."Além do mais, tendo gastado quase dez mil dólares nessas tentativas, estamos bem curados dessa ambição". Pelo menos nos Estados Unidos, toscanini estava de fora.
Dois anos mais tarde, durante o festival da BBC, Fred Gaisberg, da EMI, escondeu equipamentos de última geração em dois concertos. Toscanini, excepcionalmente estava num período muito feliz com a orquestra da BBC. Admirava seus músicos principais e raramente levantava a voz durante os ensaios. A suíte de Debussy, que ele gravou com muitas alterações marcadas com tinta verde, brilhou como o Canal da Mancha em Eastbourne num dia de verão. Não há nada de literal na sugestão do anoitecer ou das ondas, apenas uma luminosa impressão da natureza à vontade, com uma ameaça velada de tempestade. O Elgar foi mais contido. Toscanini começa com movimentos rápidos, surpreendendo os críticos britânicos, que estavam acosttumados aos andamentos mais lúgrubes do falecido compositor. "É uma música adorável, e deve ser viva", disse o maestro ao líder das violas, Bernard Shore, que fez um solo vagamente satírico na sexta variação. A execução tem uma beleza arrebatadora, dolorosa e insuperável. "Ele cria a sensação de que não há nada entre você e a música" disse o então jovem regente John Barbirolli.
Gaisberg considerou as gravações "perfeitas do ponto de vista técnico", mas Toscanini se recusou a ouvi-las. Ele estava retornando para os Estados Unidos, onde a NBC lhe havia prometido uma superorquestra. As gravações de estúdio com som de caixa que ele viria a fazer em NY confirmaram seus maiores temores a respeito dessa mídia e, após o registro, ele jamais ouvia seu trabalho novamente. As sessões do Queen's hall são as únicas gravações de Toscanini no auge da forma e com o melhor som da sua vida, mesmo não estando ciente de que estava sendo preservado para a posteridade. As gravações ficaram guardadas em cofres durante meio século, até que a EMI conseguiu a permissão legal para traze-las à público.

Horowitz - Rachmaninov, Concerto para piano em Ré Menor - Orquestra Sinfônica de Londres, Albert Coates - EMI Londres, Kingsway Hall

Rachmaninov mostrou-se sempre generoso para com os jovens pianistas de talento, sempre disposto a orientá-los na interpretação de suas obras, sem preocupar-se com a rivalidade que eles poderiam representar para a sua própria e bem paga carreira de solista. Nos primeiros meses da Grande Depressão, ele ouviu algo a respeito de um jovem exilado russo que tocova as músicas dele melhor do que ninguém. Ele cruzou por acaso com Vladimir Horowitz no subsolo da loja da Steinway, em NY, e acompanhou-o, um piano após o outro, numa execução a quatro mãos do Concerto em Ré Menor. "Horowitz, disse Rach mais tarde, absorveu-o por inteiro...ele tinha coragem, intensidade e ousadia."
O Concerto em Ré Menor lançou Horowitz para uma carreira fenomenal. Antes desta gravação, tocou-o em Chicago, Cincinatti, NY, Filadélfia, Boston, Berlim, Amsterdã e, finalmente, Londres, onde foi para o estúdio com um regente britânico que havia dirigido a Ópera de São Petersburgo antes da revolução. Diferente da gravação efusiva e alegre do compositor, a de Horowitz explora o lado escuro onde Rach, ele próprio depressivo, não ousara se aventurar. Ele fez das tremendas dificuldades técnicas uma brincadeira de criança, executando passagens rápidas com o dobro da velocidade, para então frear precipitadamente no adágio. Essa velocidade simples torna a gravação irresistível, mas há também uma perigosa corrente de desequilíbrio mental - do tipo que afetou o pianista David Helfgott.
Horowitz foi hospitalizado duas vezes, após sofrer colapsos nervosos. O Concerto tornou-se sua marca registrada, sendo regravado a cada vez que ele saía do isolamento, como que para reafirmar a sua maestria incomparável (o próprio Rachmaninov deixou uma gravação luminosa, como também o britânico Stephen Hough, usando as anotações do compositor).
Horowitz, no entanto, ficou com o selo da autoridade. Depois de sua apresentação ao vivo em 1942 no Holliwood Bowl, o compositor, já no final da vida, subiu ao palco e anunciou que aquela havia sido exatamente a maneira como ele sempre sonhara que o Concerto deveria ser tocado.

Gershwin, A Rhapsody in Blue - Paul Whiteman and band - Columbia, NY 10 de Junho,1924.

Aos vinte e poucos anos, no início do séc. XX, George Gershwin era um dos homens mais felizes e ocupados na face da Terra. Jovem demmais para ir para a guerra, ele começou tocando nos bares de esquina e logo passou a escrever shows para a Broadway, bem como canções - "Swanee", "Somebody Loves Me", "Fascinatin", "Rhythm" - que todos cantavam. Prolífico? Ele inventou a palavra. Em apenas duas semanas e meia, em Janeiro de 1924, ele compôs "A Rhapsody in Blue", que, orquestrada pelo bandleader Ferde Grofé, tornou-se a sensação do Jazz, e também o primeiro concerto para piano genuinamente americano. Entre os curiosos que compareceram à estréia da obra, no Aeolian Hall, estavam Rachmaninov, Stokowski, Kreisler e Jascha Heifetz.
Gershwin gravou a Rhapsody duas vezes com Whiteman - acústicamente, em junho de 1924, e, três anos mais tarde, com som elétrico - de qualidade superior. A primeira banda tinha exatamente os mesmos componentes que na estréia; a segunda foi aumentada com as participações de Tommy Dorsey e Bix Beiderbecke, tendo sido prejudicada por sérios atritos entre Gershwin e o bandleader. Sua execução, em ambas as ocasiões, é impetuosa e propulsiva, ainda que imbuída de uma introspecção (possivelmente tristeza) que o isola do tumulto do ambiente. O agitado Jazz era, ao mesmo tempo, uma reação à guerra e uma negação; Gershwin consegue, nessas gravações, evocar essa ambivalência.
Incompreensivelmente, tais gravações são raras e foram relançadas muito poucas vezes. As versões para piano solo de Gershwin são substitutas adequadas, e ainda mais introspectivas (as tentativas de sobrepor a elas uma orquestra moderna são absurdas demais para merecerem uma discussão aqui).
De qualquer forma, as evocações mais autênticas são de Earl Wild (que tocou o concerto tanto com Whiteman como com Toscanini), e de Leonard Bernstein, compositor-pianista de formação semelhante, e que dirige a orquestra ao piano com empatia.

Allfred Cortot, Jacques Thibaud, Pablo (Pau) Casals - Mendelssohn/Schumann, Trios em Ré Menor - EMI Londres, Queen's Hall 20-21 de Junho de 1927 e 15-

O século da gravação foi marcado por três grandes trios com piano. O Beaux Arts é o de mais longa duração: três estudantes que se conheceram no festival de Tanglewood, em 1955, continuaram tocando, com algumas alterações na formação por meio século. O "trio de um milhão de dólares" foi o mais rico: Jascha Heifetz, Artur Rubinstein e Gregor PiatigorskY se reuniram na década de 1940, contratados pela RCA de Hollywood. Mas o trio que estabeleceu a forma em disco e exemplificou o equilibrado balanço entre piano, cello e violino surgiu quase por acaso. Em 1905 o cellista catalão Pau Casals, recém chegado em Paris, conheceu o pianista Alfred Cortot e o violinista Jacques Thibaud, que viviam na vizinhança. Eles começaram a tocar por diversão, nos intervalos dos jogos de Tênis; mais tarde, passaram a tocar em salões particulares, para aumentar seus ganhos; e finalmente apareceram em disco, no ápice de suas carreiras internacionais. O Trio em Si Bemol de Schubert foi o cavalo de batalha deles, tendo sido tocado cinquenta vezes com intenso brio. Mais eloquente, no entanto, foi a intimidade calorosa que eles imprimiram ao maduro Trio de Mendelssohn. Com suas variações de estado de espírito, este trio foi escrito no auge da fama e da felicidade pessoal do compositor, pouco antes de sua segunda sinfonia, mas paradoxalmente, deixa revelar algo de tristeza e premonições de morte. A conversação entre os três instrumentos alterna-se do social para o filosófico, com passagens agradáveis misturadas às reflexões sobre o significado da vida, em nenhum lugar mais profundas do que na introdução de Cortot para o Andante, que é de tirar o fôlego. Na obra de Schumann, fervorosa e rebelde, são as cordas que lideram a busca, através da irresolução romântica, até a harmonia fraternal.
Casals deixou o trio em 1934, preocupado com a Guerra Civil Espanhola e por sua aversão ao fascismo. Os outros dois permaneceram na França, onde Cortot atuou como comissário para Obras de arte do governo de Vichy e deu recitais com Wilhelm Kempf numa exposição em Paris das esculturas heróicas de Arno Breker, um dos preferidos de Hitler. Perversamente, Casals o perdoou após a guerra, mas recusou-se a responder às cartas escritas pelo relativamente íntegro Thibaud ou a sequer encontrá-lo novamente. A música significava tudo para esses homens, mas não pôde curar todas as feridas.

Fritz kreisler - Beethoven, Concerto para Violino - Orquestra da Ópera Estatal de Berlim- Leo Blech - EMI - Singakademie 14 a 16 Dezembro, 1926.

Só existiu um Fritz Kreisler. Com seu som de veludo e seus cabelos cuidadosamente penteados, ele exerceu um fascinio hipnótico não apenas sobre o públlico, mas também sobre todos os violinistas ao longo das gerações que se seguiram.
Ele continua a ser reverenciado por violinistas tão diferentes como Nigel Kennedy e Maxim Vengero.
Na qualidade de mais importante solista no início da era das gravações, ele usou o meio para mudar a maneira de tocar, aplicando um vibrato obrigatório em passagens mais suaves para disfarçar as deficiências na reprodução do som.
Sua cadência para o concerto de Beethoven - a parte na qual se espera que os solistas devam se descabelar - foi adotada pela grande maioria dos solistas, que se sentiram desencorajados a exibir criatividade diante da comparação com a personalidade magnética do grande violinista. A concisão dos seus acordes ascendentes veio a se tornar um padrão do próprio repertório de concertos. Vienense de espírito solar, kreisler abordou com pronunciada austeridade o concerto de Beethoven, como se estivesse consciente de sua imensidão. Seus ataques são calculados e sem ostentação, e todas as notas são precisa e belamente articuladas. Sua execução transcende a dificuldade e leva a nada mais que ao prazer. Quanto às cadências, elas fazem aquilo a que são destinadas: refletem o que foi tocado e imediatamente antes e projetam o que está por vir. Kreisler é o grande intérprete desse concerto. Embora o tenha gravado com melhor som em Londres, 10 anos depois, sua versão de Berlim é de uma intensidade insuperável. Nenhum outro violinista jamais conseguiu fazer um trinado agudo soar organicamente como o canto do rouxinol, ou fazer esse concerto ressoar tão evocativamente as simplicidades pré-românticas (Dentre as dezenas de sucessores somente Menuhim/Furtwangler, Ostraich/klemperer, Haendel/Kubelik, Krebers/Haitink e Tetzlaff/Zinman conseguem sugerir alternativas.)
Violinista mais bem pago do seu tempo, Kreisler foi generoso com os menos afortunados.Criou um fundo para estudantes carentes na Universidade de Berlim e recebeu uma medalha do governo da Áustria por sua ajuda humanitária às crianças. O humanismo era parte inseparável do modo como kreisler fez sua música.

Ronald Smith - Alkan: música para piano - EMI Londres Março, 1971

Charles - Valentin Moranghe, conhecido como Alkan, trancou-se em seu apartamento durante 25 anos e deixou crescer uma longa barba, após ter sido recusado como diretor do Conservatório de Paris. Ele escreveu uma marcha fúnebre para seu papagaio e uma sinfonia para piano solo, saindo à noite para dar recitais sem divulgação na Salle Pleyel, prestigiados pelos maiores piamnistas do seu tempo.
Encontraram-no morto sob uma estante de livros tombada, num acidente causado (supõe-se) ao tentar alcançar um volume do Talmude na prateleira mais alta. Busoni considerava-o um dos cinco maiores compositores para piano depois de Beethoven. Isso é tudo que se sabia dele até Ronald Smith trazê-lo de volta à vida.
Smith, músico de Kent com problemas de visão e dedos capazes de voar, teve contato com a música de Alkan por intermédio de Humphrey Searle, da BBC. Intrigado pela perversidade da música - qual outro compositor poderia ter escrito um réquiem irônico para um papagaio? - Smith desenterrou mais partituras em bibliotecas francesas e tocou-as na rádio e em recitais-palestra. A música era duplamente intratável. Alkan, quando jovem, se propusera a mostrar a Chopin e Lizst que poderia derrotá-los no piano. Em 1844 ele foi o primeiro a descrever um trem de ferro com música. Mais tarde, avançou muito além do seu tempo em contraste tonal e acumulação de acordes, antecipando Wagner, Mahler, Stravinsky e Scriabin. Alkan, apesar de todas as suas excentricidades, foi um visionário. Na Grande Sonata Opus 33, ele não só descreve quatro estágios da vida de um homem, aos vinte, trinta, quarenta e cinquenta anos, mas discute, numa secão quase Faustiana com Goethe, uma fuga prodigiosa em oito partes.
Smith não foi o único a a descobrir o Gênio dele. Um americoano, Raymond Lewemtal, gravou Alkan para a CBS mais ou menos na mesma época. Mas Smith escreveu a biografia definitiva do compositor e desvendou muitas conexões entre Alkan e e os compositores do passado e do presente, e só por isso já valem essas gravações

Horowitz - Tchaikovsky - conc. p/piano nº1 - Brahms - conc. p/piano nº2 - Orq. sinf. da BBC - Arturo Toscanini - RCA(Sony/BMG)

A relação sogro/genro é delicada. Imagine-se a situação na qual o sogro é um católico italiano rígido e disciplinador e o genro é judeu, gay e esquizofrênico. O preço da celebridade para Horowitz e Toscanini foi o fato de serem obrigados a trabalhar juntos em público e em gravações. Eles não pareciam e nem soavam confortáveis juntos, mas no melhor momento deles, uma execução do Concerto de Tchaikovsky no Carnegie Hall, em 1943, eles levantaram mais de 10 milhões de dólares em bônus de guerra e receberam um agradecimento de Roosevelt.
Este disco resgistra um encontro anterior, tenso e confrontativo. A partir dos retumbantes acordes iniciais, o pianista passa a fugir do ritmo da batuta, seguindo sua própria pulsação , num estado de de anarquia que se aproxima do transe hipnótico. O regente faz o possível para manter ao menos uma ilusão de controle social, mas, no segundo movimento o pianista ultrapassa alegremente as madeiras que o acompanham, e corre com a orquestra atrás dele. O final é um palpitante suspiro catártico, como se as relaçoes familiares tivesssem sido restauradas de pronto.
Esta não foi a primeira vez que o concerto de Tchaikovsky foi usado como ringue de boxe, nem a última. Horowitz deixou Thomas Beecham patinando na estréia dos dois em NY, e Richter e Zimerman arrasaram publicamente Karajan em disco. O bombástico nessa música leva ao conflito.
Isso não se aplica ao concerto de Brahms. Horowitz disse a respeito: "eu nunca gostei desse concerto, e toquei muito mal". Além disso minhas idéias e as de Toscanini eram muito diferentes. Ambos disparam num andamento tão rápido, que aparentemente, esperam por um nocaute no 3º movimento. Nenhum dos dois mostra qualquer misericórdia pela partitura. É um inimitável registro da desarmonia humana, precioso em sua obstinada perversidade.

Rachmaninov - conc. para piano nº2 - Orquestra da Filadélfia - Leopold Stokowski - RCA Sony BMG - Filadélfia 10 e 13 Abril, 1929

Famoso por ter sido composto após um colapso nervoso que se seguiu à desastrosa estréia de sua sinfonia nº1, este concerto foi o cartão de visita de Rachmaninov como solista. Exilado pela revolução,ele o gravou pela primeira vez em 1924, com Leopold Stokowski e sua formidável orquestra da Filadélfia. O álbum com cinco discos, no entanto, se tornou obsoleto com a chegada da gravação elétrica.
Permanentemente em turnê, Sergei sofreu outra crise de depressão, desencadeada pelo desejo de rever as intermináveis paisagens russas. Seu quarto concerto fracassou. Stokowski conseguiu que o segundo fosse gravado novamente, mas enfureceu o compositor com os cortes feitos na partitura, na tentativa de espremer a peça em quatro discos. Rachmaninov, que acatara cortes feitos em todas as outras obras, em especial nas sinfonias, recusava-se a reduzir o concerto em Dó menor, em uma nota que fosse. Ele executou-o sem qualquer alteração na Filadélfia, num estado de tensão que pode ser sentido na gravação; era como se o regente e a orquestra estivessem dançando sobre cascas de ovos em volta dele. O toque de Rachmaninov era delicado para um homem de tal porte e força, desafiando o peso de seus dedos em longas e suaves passagens do Adágio, enquanto Stokowski lutava como que com uma carroça puxada por cavalos fogosos. É o conflito, tanto como a maestria, que torna essa execução inesquecível.
Ela nunca saiu de catálogo, muito embora um erro da RCA em 1952 tenha resultado na substituição de algumas passagens por tomadas rejeitadas, uma anomalia que passou despercebida durante trinta e seis anos, até que o relançamento em CD alertou os mais atentos. Além de ser o guia definitivo para a interpretação do concerto mais popular do século, esta é uma das poucas gravações que existem, tal como uma escultura de Rodin, em fôrmas alternativas, fáceis de usar.

Martha Argerich, Nelson Freire - Lutoslawski - Variações Paganini - Philips Suiça - Agosto, 1982.

O 24º capricho para violino solo de Paganini, que já era uma variação sobre tema original, foi diversificado por Brahms, Liszt, Szimanovski e mais liricamente, Rachmaninov. Variações posteriores, no sec. XX vieram de Blacher, Lloyd Webber e Poul Ruders, nenhuma delas inteiramente encantadora. A que deixou sua marca foi escrita por dois jovens compositores durante a ocupação nazista, quando os poloneses foram impedidos de frequentar concertos.
Witold Lutoslawski e Andrzej Panufnik transcreveram cerca de 200 peças do repertório orquestral para o piano e tocaram-nas a 4 mãos em cafeterias. Certa tarde, eles foram arrancados do piano por homens da SS e jogados contra uma parede com pistolas apontadas para suas cabeças.
Lutoslawski cuidou da coleção de partituras dos dois. Durante o levante de 1944 sua casa foi queimada. As variações Paganini, com cerca de 5 minutos, foi tudo que restou. "Ele deve ter levado os manuscritos consigo", disse Panufnik.
A essência da obra consiste em um intercâmbio entre dois espíritos inquietos. O tema original é subvertido já nos primeiros acordes com ousadas dissonâncias - sons proibidos naquele tempo, além de constituirem um ardente protesto contra os homogeinizadores da arte, que estavam negando os prazeres da música a toda uma nação. Esta parte do diálogo é política; o resto é esportivo e competitivo: dois compositores rivais em ascenção jogando faíscas um no outro. A suíte é tão curta que dá vontade de ouvir duas vezes. É difícil de imaginar como tal espírito e tão grande senso de humor puderam resistir sobre constante ameaça de morte.
Lutoslawski, posteriormente, preparou um elegante versão para orquestra, mas é o original para piano que verdadeiramente impressiona.
Martha Argerich, vencedora do concurso Chopin, em 1965, uma empática intérprete da música polonesa, nos dá a mais brilhante versão em disco, juntamente com seu amigo Nelson Freire.

Glenn Gould - Bach - Variações Goldberg - Columbia/Sony/BMG NY 10 - 16 de Junho, 1955

O pianista canadense fez sua primeira gravação para um grande selo num estúdio pequeno como um aquário, com todas as suas exentricidades registradas pela imprensa: "Gould rejeita os sanduiches trazidos pelo pessoal do estúdio, e come apenas seus biscoitos de araruta encharcados em sua água mineral especial ou leite desnatado", relatou o Herald Tribune. Poucas lendas foram tão minuciosamente observadas em ação.
Gould era o sonho de qualquer escritor de variedades. Em dias de sol forte ele aparecia usando casaco, boina, cachecol e luvas, carregando sua própria banqueta de piano. Mergulhava os braços em água quente antes de tocar e tomava inúmeros comprimidos para enxaqueca, eczema ou depressão. Murmurava enquanto tocava, como um baixo inarticulado, e insistia, quantas vezes fosse nescessário - dezoito tomadas para a 12ª variação - antes de dar seu aval. "Deixem-no cantar", dizia o produtor Howard Scott "Ele tocava como um deus."
O disco foi lançado com uma capa onde se vêem 30 imagens dele em ação - uma para cada variação. "Nós não chegamos a um consenso sobre qual era a melhor, disse Scott, então usamos todas." A execução foi sem igual. Ela trouxe um delirante frescor para uma obra austera, descobrindo frases contagiantes numa música que nunca tinha feito ninguém sorrir. Despreocupado com uma nota errada ocasional, Gould estava em busca do estado de espírito. "Essa é uma música que repousa nas asas de um vento irrefreável", disse ele. O som de Gould é duro, quebradiço, mas desde as primeiras frases o pianista fez pelas variações o que Casals fez pelas suítes para violoncelo, desviando-as do propósito original de Bach - fazer dormir um conde que sofria de insônia - na direção de um reino de elevada espiritualidade. O toque de Gould atrai a atenção, evocando um mundo paralelo sobrenatural para o qual só ele possui a senha. Do início ao fim, a execução é surpreendente, por vezes desordenada (2ªvariação) outras tão lenta e quieta (26ª) que nos perguntamos se sua mente não se retirou para outro lugar. Nunca, em qualquer gravação anterior, o piano, ou qualquer peça musical, foram tratados dessa forma. Gould entra em cena como um anjo arrebatador, um cometa de outra constelação.
Nove anos mais tarde, ele abandonou os palcos, para passar o resto da vida trabalhando em estúdios de gravação, geralmente à noite, abordando um eclético repertório que incluia Schoenberg, Strauss e vários canadenses de pouco mérito. As variações foram o ápice de sua carreira. Em 1981 ele fez uma nova gravação, mais perfeita, porém menos reveladora. Um ano depois, aos cinquenta anos, ele morreu.

Download aqui:

http://www.badongo.com/pt/file/10053430

Artur Schnabel - Beethoven - as 32 sonatas para piano - grav. EMI london, 1932-1935

Dentre todos os pianistas, o filósofo Artur Schnabel foi o que se manteve contrário à máquina de gravar por mais tempo. Seria antimusical, dizia ele, tocar sem uma audiência, e também contrário à efemeridade essencial da arte fixar para sempre uma interpretação, pois o fazer musical muda de acordo com o estado de espírito do artista, a meteorologia ou as notícias do jornal da manhã.
Schnabel finalmente concordou - após a quebra de Wall Street - em gravar as 32 sonatas de Beethoven, numa edição que ele havia preparado e executado integralmente em Berlim. Sua condição era de que os discos fossem vendidos exclusivamemte por assinatura, de modo que ele soubesse os nomes de todos os ouvintes, e tivesse uma percepção da audiência ao alcance de um telefonema. Isso agradou à gravadora, que recebeu adiantado e não precisou investir um centavo.
"As lembranças do meu primeiro ano de gravação em Londres estão entre as mais dolorosas da minha vida", recorda-se Schabel. "Eu sofria de angústia e caia em desespero a cada sessão. Eu ficava mortalmente atormentado e profundamente infeliz. Tudo era artificial - a luz, o ar, o som - e levei muito tempo para conseguri que ajustassem o equipamento à música e mais ainda para eu me ajustar ao equipamento".
"Seduzido por uma polpuda garantia, ele acabou concordando em conciliar seus ideais com a máquina, observou o produtor Fred Gaisberg. "Eu supervisionei cada uma das nossas vinte sessões por ano, durante os anos seguintes e considero a experiência de ouvir suas execuções e leituras de improviso como uma combinação do mais generoso aprendizado com o divertimento". Havia um diálogo permanente nessas gravações - entre o pianista e o compositor e, em todas as pausas possíveis, entre ele e a equipe, abordando todos os assuntos, desde a teologia até os escândalos sexuais. No que concerne à execução - suave nas sonatas intermediárias, titânica naquelas do período final - o ciclo é impulsionado por uma boa conversação, um fluxo narrativo que o mantém eternamente novo. O andamento por ele escolhido para aquela que foi de fato a primeira sonata (opus 2 nº1) soa simplesmente incontestável - rápido, afirmativo, mas não a ponto de exibir a virtuosidade adolescente de Beethoven. Na abertura da sonata Ao Luar, que qualquer criança com algum estudo pode tocar, Schnabel evita a portentosidade artificial; ao contrário, joga com as sombras, tal como Rembrandt, criando um clima noturno que nemhum outro artista conseguiu igualar. Ele trata cada sonata com respeito individual, moldando seu caráter com sutilezas que nada têm a ver com o título publicado. A Appasionata, por exemplo, é exuberante e algo frívola, estando mais para um romance passageiro do que para uma paixão de vida ou morte.
Com mãos pequenas, em contraste com sua mente gigantesca, Schnabel luta para alcançar os altos e baixos da paisagem montanhosa da Hammerklavier, num andamento suicida. Descuidado com seu cálculo das intenções de Beethoven, ele espalha notas erradas como confete - e ao fazer isso, reflete o inatingível, a alma distante, a luz trêmula da utopia que é o ideal eterno do compositor. Do começo ao fim, é um mapa da mente de Beethoven, do amor, da vida e do nosso lugar na Terra, tendo Schnabel como guia.